domingo, 5 de junho de 2011

Um Dia de David Nicholls

(Por do sol em Lisboa, março de 2011: minha interpretação visual de um dia)






Uma coisa que gosto muito na tarefa de resenhar livros é quando, durante a leitura, encontro a chave do enredo. Uma frase, um diálogo, um desfecho de capítulo que resume a intenção narrativa. Foi bom quando, na página 318, encontrei a “chave” de “Um dia”, de David Nicholls – super best seller internacional. Resenha no UOL:

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/livro-que-originou-filme-com-anne-hathaway-um-dia-e-relato-espirituoso-sobre-o-tempo.jhtm



Foram três noites indo dormir pensando se a história de Emma e Dexter era ou não de amor. E só depois de ler mais de 300 páginas, entendi se tratar de uma história sobre o tempo. Talvez o tempo do amor, mas acima de tudo sobre o tempo.

“Quando eu era mais jovem tudo parecia possível. Agora nada parece possível”, diz Dexter aos 35 anos a Emma, “para quem o oposto tinha provado ser verdade.” Dexter acaba de perceber sua precoce e fútil carreira na televisão desandar, ao mesmo tempo em que sente seu sucesso com as mulheres ameaçado.

Por que o tempo é tão amigo de uns e tão inimigo de outros? Ou, como no caso dos dois personagens do livro, por que a vida parece ser ascendente para uns e descendente para outros? Boa pergunta, heim. O melhor já passou ou o melhor estar por vir?

Eu não tenho dúvida: o melhor estar por vir, sempre. E nunca será suficiente, se Deus quiser. Mas mesmo Emma, que fica mais bonita e bem sucedida com o passar dos anos, não abandona sua postura insegura. A mesma postura que, em outras proporções, a deteve no papel de uma jovem sem graça e sem talento.

Bom, mas ninguém disse que Emma era uma heroína. Aliás, não precisa muito esforço para detestar Dexter e perder a paciência com Emma.

Entre Dex e Em se estabelece uma relação romântica desastrosa e frustrante. Um bom exemplo na literatura do ”amor líquido” que trata Bauman. Por mais que esteja evidente uma força sólida (e racional) que os aproxima (encontros marcados, tentativas de reaproximação e recordações que persistem por 20 anos), está claro que a vida continua apesar da ausência, e isso exige molejo nas adaptações.

Em 20 anos:
Dexter coleciona casos fúteis, casa, descasa, se desmantela apaixonado por outra diante de Emma.
Emma casa, descasa, esquece o significado de uma relação, mas não se deixa esquecer aquela primeira noite com Dexter, um dia após a formatura.

“Às vezes você percebe quando os seus grandes momentos estão acontecendo, às vezes eles surgem do passado. Talvez seja a mesma coisa com as pessoas” – James Salter, Burning the Days.

Por duas décadas, Dex e Em tentam recuperar a magia da primeira noite. Mas o tempo de um nunca é o tempo do outro.

Fora que Nicholls é um cronista do contemporâneo, e boa parte da história está ambientada em Londres e eu amo tudo isso. Como o trecho em que Emma cogita um ato de rebeldia com o celular que ganhara do amante. “E por um instante Emma pensa em como seria bom atirar aquele maldito aparelho no Tâmisa, ver o telefone atingir a água como um tijolo. Mas antes teria de retirar o chip, o que de certa forma mataria o simbolismo, e esse tipo de gesto dramático só funciona em filmes e na TV. Além do mais, ela não teria dinheiro para comprar outro aparelho.”

quarta-feira, 2 de março de 2011

Mi Buenos Aires






Enfim conheci Buenos Aires. “Eu tava me devendo” uma ida até lá de tanto ouvir gente de todos os lados dizendo que a cidade é muito legal. E é mesmo. Tem um monte de coisa melhor que em São Paulo, a começar pela quantidade de parques e terracitas delícia e lugar para correr ou andar de patins e livrarias gostosas e vinho barato. Só para começar.

Fui sem roteiro, pulei um monte de ponto turístico (eu não vi aquele caminito, por exemplo) e tive uns dias muito agradáveis basicamente entre três bairros. No pique de arte urbana, fui direto atrás de graffiti. Não precisei ir muito longe do hotel, em Palermo, para ver muita coisa boa na rua. E também por ali descobri duas galerias, segundo os locais as únicas, mas só visitei uma. Suficiente para conhecer uma cena muito bacana, inclusive com intercâmbio com Brasil.

Agora mesmo (e até final de março), o trabalho do gaúcho Carlos Dias está exposto na Hollywood in Cambodia, que fica em Palermo. Foi lá também que eu comprei um lindo stencil amarelo de um portenho que assina Stencil Land e que em breve colorirá minha sala. Também gostei muito do que vi de Run Dont Walk.

Chamou minha atenção como os argentinos que riscam as ruas de Buenos Aires estão afinados com a palavra. Fotografei ótimas frases na rua - “racionalismo te amo” foi a minha preferida. Muy argentino, no?

Também fui no Malba, onde vi coisas ótimas entre as novíssimas aquisições. Algumas na velha e boa tela (que nem livro - todo mundo diz que vai acabar, mas é óbvioooo que acaba nada!). Jamais esquecerei do olhar no autorretrato (2008) de Nicola Constantino. Inquietante também “Miriam Se Pone Leprosa” (1961), de Sammer Makarius, um egípcio que morou em Buenos Aires até morrer em 2009. E, por último, Adriana Bastos e a fusão entre pintura e fotografia com que um quê de Frida.

p.s.: das coisas que eu não gostei em Buenos Aires estão o zero espaço dado ao cinema local (Cinemark reina – certeza no Verdi de Barcelona passa mais filme argentino que em BsAs inteira) e o gosto da coca light (“imbebível”, se é que vocês me entendem).
Mais em hollywoodincambodia.com.ar e graffitimundo.com

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Fora de nós 3


Ler é um ato solitário. É preciso se distanciar da realidade, o que inclui as pessoas, para tirar proveito do grande barato da leitura: a liberdade de construir as próprias imagens, de interpretar por sua conta. Tudo isso é bom, mas preciso admitir que muitas vezes, no meio de um trecho apaixonante, sinto falta de alguém do meu lado sentindo o mesmo, como quem assiste junto a um filme. Faz falta olhar para o lado e repartir, nem que seja com um olhar.

Na semana passada, consegui até mais que isso. Primeiro a Beta, uma amiga top five, comprou o livro que eu estava lendo: “Fora de Mim”, de Martha Medeiros (editora Objetiva). Surpresas ficamos as duas quando outra querida, a Bianca, disse que tinha começado a ler o mesmo livro na noite anterior. Foram dois ou três dias em que nossos encontros no trabalho começavam com a frase: “e ai, leu até que página?”.

Senti como se fizesse parte dos antigos e meio fora de moda clubes de leitura, dividindo as impressões. Acertamos na escolha do título: um livro sensível, tomado de referências ao universo feminino. Para mim, a autora monta um delicado mosaico do amor, pelo ponto de vista de uma personagem encantadora, que traz pedaços de muitas mulheres (meu, da Beta e da Bi, com certeza).

Foi tão doce essa experiência que pedi para cada uma delas escrever 500 toques que fosse sobre o livro. A resenha “oficial” está no UOL (link abaixo). Aqui, apenas umas palavras de três mulheres que conhecem o amor.

Por Marta
A personagem de Martha Medeiros confidencia o desejo de viver apaixonada dos 14 aos 89 anos. Deseja, acima de tudo, que a vida seja intensa, lhe surpreenda, lhe tire da lógica um milhão de vezes, e nunca lhe obrigue viver uma relação sem paixão. Quer a intensidade do frio na barriga, da espera torturante por uma ligação, da alegria infantil de se sentir desejada. “O amor é uma subversão, e seu vigor nunca será encontrado em amizades ou parentescos”, escreve a mulher, para logo concluir: “Amar prescinde de entendimento. Por isso não sei amar, porque sou viciada em entender”.

Por Beta
pathwork de amores comuns. para iniciantes, iniciados ou viciados. características corriqueiras bem construídas ativam a memória do leitor. é gostoso, leve. a todo momento me lembrei de alguém. me apaixonei por todos, que bom. e dividi meus dias assim: de segunda a quarta, fora de mim. durante o resto da semana, o que será que me dá?
http://www.youtube.com/watch?v=Fy8LsPj0Nw8

Por Bianca
Quem nunca esteve fora de si? Quem nunca chorou por um amor perdido? Eu já. Aos meu vinte e poucos anos devo dizer que já gastei alguns litros de lágrimas com alguém que passou pela porta de minha casa e nunca mais voltou. Mais que isso, solucei, tremi, dormi, me desesperei achando que aquela dor nunca iria passar. E, esperei que ele voltasse por alguns longos meses. Quem já leu “Fora de Mim” - de Martha Medeiros – deve estar achando que meu relato é um plágio de parte da obra. Mas não. Eu me vi no lugar da personagem por alguns momentos. E posso afirmar que leitora alguma passará ilesa sem comparar a história do livro (ou parte dela) com algum episódio de sua vida. A personagem (com seus mais de 40 anos) sofre por ter perdido um amor avassalador, que sequer a fez sorrir ou ter paz. Mas, para ela que acabara de sair de um relacionamento pacato que durou 16 anos, viver intensamente era o mais importante. Tanto que, ela foge de compromissos pelos quais já vivenciou enquanto foi casada. Ela não quer se prender. Não quer chegar em casa e se deparar com um homem no sofá esperando que ela sirva o jantar. Definitivamente, ela quer amar, se envolver, se entregar. Não para um homem, mas para sua própria vida. Quer viver pela primeira vez, mesmo que custem algumas lágrimas.


No UOL: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/em-fora-de-mim-martha-medeiros-desbrava-fossa-de-mulher-que-perde-grande-amor.jhtm